A Inteligência Artificial é a expressão da inteligência humana exteriorizada (projetada para “fora” do nosso cérebro) e pode ser definida, segundo o pesquisador Norvig Russel [1], como sistemas que pensam como seres humanos; que pensam racionalmente; que agem como seres humanos, que agem racionalmente.
Na área médica, as primeiras pesquisas sobre aplicações da IA foram produzidas por notáveis universidades americanas – tais como Stanford, Tufts, Pittsburgh, MIT (Massachusetts Institute of Technology) – e comandadas por pesquisadores como Peter Szolovits e Randolph Miller. Em 1984, ao revisarem o tema, os pesquisadores Clancey e Shortliffe definiram que a “Inteligência Artificial médica se preocupa primariamente com a construção de programas de IA que realizam diagnósticos e fazem recomendações terapêuticas.” [2]
Logo, desde a primeira ferramenta produzida no período Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) até a tecnologia que produzimos hoje, muita coisa se transformou. Assim, tudo aquilo que era inimaginável para boa parte das gerações anteriores passou a fazer parte da realidade clínica moderna.
No entanto, é um equívoco pensar que essa tecnologia é uma realidade inacessível. Os investimentos do mercado da saúde em inovação e tecnologia já apresentam resultados excelentes, concretos e alcançáveis, geralmente a poucos cliques de distância.
Não podemos esquecer, entretanto, que o aumento significativo do conhecimento biomédico impede os profissionais de saúde contemporâneos de se manterem atualizados com todos os conteúdos publicados em sua área. Além disso, as informações do paciente estão se tornando cada vez mais acessíveis, o que torna o gerenciamento, a filtragem e a seleção em tempo real impraticáveis. Eis a razão da Inteligência Artificial desempenhar um papel importante na tomada de decisão dos cardiologistas. [3]
Naturalmente, esse avanço traz consigo diversos desafios e implicações que não devem ser esquecidos ou desconsiderados pela Cardiologia (e por outras áreas da saúde). É imperioso que cardiologistas e especialistas compartilhem desse conhecimento para serem capazes de distinguir aquilo que é fundamental em sistemas de Inteligência Artificial na cardiologia.
Inteligência Artificial na Medicina: histórico, benefícios e aplicações
A Inteligência Artificial está posicionada no ápice do desenvolvimento tecnológico da raça humana. Ela representa, segundo o livro “A Cabeça de Steve Jobs”, a terceira era da computação. Visto que, depois da era da produtividade (a partir de 1980) e da era da internet (a partir de 1990), chegamos à era do estilo de vida, onde computadores deixaram de ser apenas produtos e passaram a ser integrados como parte da experiência de vida de seus usuários.
No entanto, é importante destacar a existência de um recorrente equívoco com o conceito de Inteligência Artificial. Isso porque a maioria dos sucessos que atribuímos à IA são, na verdade, frutos da Machine Learning (ML), também conhecida como Aprendizagem de Máquina. Esses dois conceitos não são equivalentes, pois o ML é apenas um ramo contribuinte da IA. Para não restar dúvidas quanto a essa distinção, saiba que ML é uma ferramenta de Inteligência Artificial, como a mineração de dados, por exemplo. [4]
Os tipos de aprendizado dos algoritmos de ML, vale dizer, são subdivididos em: supervisionado, não supervisionado, semi-supervisionado e de reforço. Esses tipos são utilizados para encontrar pontos de dados incomuns, prever valores, acompanhar mudanças de valores temporalmente, descobrir semelhanças, fazer classificações, prever uma categoria de destino, etc. [5]
Por mais contraintuitivo que pareça, esses algoritmos não são inteligentes por si sós (inteligência é muito mais que isso!), mas auxiliam as pessoas a explorar e analisar conjuntos de dados complexos e encontrar sentido neles. Enquanto a IA é o resultado da combinação de modelos matemáticos sofisticados e da computação, para produzir algoritmos refinados capazes de emular (ou imitar) a inteligência humana. [6]
A partir do seu surgimento, os sistemas que faziam apenas aquilo que eram programados para fazer (ML) evoluíram para sistemas capazes de organizar e analisar um altíssimo volume de dados, de interagir com os humanos de maneira mais natural e de trazer hipóteses de soluções para inúmeros problemas.
Diante do enorme potencial da IA, diversas categorias profissionais começaram a nutrir esperanças de otimizar cada vez mais suas rotinas de trabalho. Foi nesse intuito que profissionais da saúde e das ciências da computação, entre os anos 70 e 80, deram início ao ávido programa de pesquisa que revolucionou a medicina para sempre: a Inteligência Artificial em Medicina.
No entanto, muita coisa mudou de lá para cá.
Evidência disso é que a indústria da saúde já conta com diversos serviços de Inteligência Artificial que auxiliam na realização de cirurgias e procedimentos complexos, interpretação e reconhecimento de imagens, associação entre sintomas e doenças, pesquisa e recuperação de dados, no monitoramento de pacientes, suporte ao diagnóstico, entre outros.
Sendo assim, os recentes avanços tecnológicos na área da saúde, o crescente requisito da personalização dos cuidados e a necessidade de criar um valor em saúde ao paciente se tornaram as principais causas da utilização de IA na medicina, dado que os softwares de apoio ao diagnóstico oferecem benefícios significativos quando desempenham o papel adequado. [7]
Esse tem sido o papel da Inteligência Artificial na cardiologia
O Diretor Médico da Neomed, Dr. Diandro Marinho Mota, é cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC) e relata que, antes de poder contar com a Inteligência Artificial na operação médica, não havia meios para detectar quais eram os exames prioritários na fila de espera dos laudos. Do ponto de vista cardiovascular, esse era um ponto bastante negativo, pois tempo é músculo: é coração! Isso significa que quanto antes a anormalidade for detectada e o tratamento for iniciado, melhor será o prognóstico do paciente, que deve ser o centro do cuidado.
Além disso, ao longo das últimas décadas, há diversas aplicações de Inteligência Artificial na cardiologia que se mostraram exitosas. Elas vão desde o Apple Watch, que detecta a frequência cardíaca e envia um alerta para fazer seu cardiograma em caso de anormalidade, aos pequenos transdutores que podem ser conectados a smartphones. Nesse sentido, um dos 10 pesquisadores mais citados da atualidade na área médica, Dr. Eric Topol, relata que:
Em vez de uma pessoa ter de fazer uma formação para realizar o Ecocardiograma, a IA pode ajudar a guiar o posicionamento do transdutor durante o exame. São imagens de alta qualidade. Eu mesmo não faço a ausculta cardíaca há muitos anos porque consigo fazer um Ecocardiograma completo e que pode ser compartilhado rapidamente com o paciente”.
Esse relato ilustra que a predileção dos cardiologistas deve-se, principalmente, à sua capacidade de ajudar em tomadas de decisões e na precisão no diagnóstico e prognóstico de doenças do coração.
No entanto, apesar das boas perspectivas, a implementação da Inteligência Artificial na cardiologia tem encontrado alguns desafios, dada a quantidade de estigmas que existem em torno da introdução da tecnologia.
Segundo pesquisas da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ainda há muito o que se aprender sobre a tecnologia. Os estudos apontam que os principais obstáculos são:
- Limites éticos de uso (uso indevido);
- Melhorar o conhecimento de matemática computadorizada;
- Obter dados saudáveis;
- Garantir segurança de dados;
- Gestão de cuidados baseados em dados.
Por isso, é fundamental que o cardiologista esteja atento e crítico a esses pontos na hora de escolher tecnologias auxiliares. Vale dizer que obter conhecimento de campo sobre as disponibilidades resolutivas que existem no mercado é um diferencial. Mas, futuramente, será apenas mais uma expertise essencial, dado que o conhecimento em torno da inovação já está fazendo parte da formação de novos cardiologistas.
Exemplos da Inteligência Artificial na Cardiologia
Há diversos exemplos de Inteligência Artificial na cardiologia, são muitos os modelos de ML disponíveis no mercado nacional e internacional para a otimização de serviços de cuidados do coração [8]. Dentre eles:
- VitalPatch, da Vital – Biossensor de monitoramento de problemas cardíacos causados pelo Covid-19;
Fixado ao peito por um adesivo, o sensor é um dispositivo que pode medir sinais vitais, como frequência cardíaca, frequência respiratória e temperatura corporal, além de outras informações, como postura corporal e detecção de quedas.
É muito útil mesmo para pacientes que já receberam alta do hospital.
- Caption AI, da Caption Health – IA que desbloqueia o poder do ultrassom;
Tecnologia mestre em exames ultrassom, como o ecocardiograma, que permite uma avaliação rápida, precisa e oportuna da função cardíaca para informar o gerenciamento do paciente e apoiar a tomada de decisão clínica.
- EchoGo, da Ultramics – Sistema que automatiza com precisão as principais medições ecocardiográficas;
Solução que combina computação em nuvem, IA e ecocardiografia – a modalidade de imagem cardíaca mais acessível, econômica e segura do mundo – para diagnosticar melhor as doenças cardíacas, independentemente do ambiente de cuidado (rural ou urbano) ou de fatores socioeconômicos.
- Projetos de IA para a detecção de hemorragia intracraniana e de embolia pulmonar, de parcerias do Grupo Fleury;
O primeiro projeto prevê aplicação de algoritmos para identificar e comparar padrões em hemogramas de pacientes testados para a doença. Objetivo é desenvolver modelo preditivo para auxiliar médicos no diagnóstico da enfermidade.
Já o segundo, conquistou medalha de prata no desafio de Inteligência Artificial promovido pela RSNA – Radiologic Society of North America, com o trabalho que teve como tema principal a detecção de hemorragia intracraniana por tomografia computadorizada.
- Método para prever risco cardiovascular a partir de exames de retina, do Google Research, Verily Life Science e Universidade Stanford;
O estudo mostra descobertas promissoras sobre a aplicação de aprendizado de máquina (ML) na identificação de marcadores de risco cardiovascular por meios não invasivos. Na prática, o sistema aprendeu a distinguir olhos saudáveis de olhos com alterações vasculares visíveis na parte posterior do olho, o que é um sinal de problemas cardiovasculares.
- Kardia, Neomed – Solução que une medicina e tecnologia para detectar com rapidez doenças do coração, acelerar o diagnóstico, e salvar mais vidas no atendimento hospitalar.
Na prática, essa aplicação da Inteligência Artificial na cardiologia consegue detectar nos exames de Eletrocardiograma (ECG) dentro de uma plataforma digital chamada Octopus – quais são os ECGs possuem maior probabilidade de apresentar alterações significativas e, por isso, são laudados e avaliados pelo cardiologista mais rapidamente, em no máximo 10 minutos, , dada a possibilidade de urgência ou emergência cardiológica.
A possibilidade de contar com tecnologia IA de alta precisão não precisa ser uma realidade distante. A Neomed é uma healthtech brasileira que atende hospitais e clínicas de todo o país, levando tecnologia de ponta, segurança e apoio médico. Faça seu projeto piloto e veja as melhorias que o Kardia pode fazer pelo seu setor de cardiologia.
Referências bibliográficas
[1] RUSSELL & NORVIG. Artificial Intelligence: A Modern Approach, 3rd ed. … Nicholas J. Hay … Interior Designers: Stuart Russell and Peter Norvig.
[2] Readings in Medical Artificial Intelligence: The First Decade by William J. Clancey and Edward H. Shortliffe (eds.), Addison-Wesley, Reading, Mass., 1984, xvi + 512 pp.
[3] SOUZA FILHO, Erito Marques de; FERNANDES, Fernando de Amorim; PEREIRA, Nikolas Cunha de Assis; MESQUITA, Claudio Tinoco; GISMONDI, Ronaldo Altenburg. Ética, Inteligência Artificial e Cardiologia. Arq. Bras. Cardiol., v. 115, n. 3, p. 579-583, set. 2020.
[4] MEDIUM. Why Machine Learning is not Artificial Intelligence?. Disponível em: https://oilgains.medium.com/why-machine-learning-is-not-artificial-intelligence-61b174a3c9a2. Acesso em: 22 set. 2021.
[5] MICROSOFT AZURE. Algoritmos de aprendizado de máquina. Disponível em: https://azure.microsoft.com/pt-br/overview/machine-learning-algorithms/#overview. Acesso em: 22 set. 2021.
[6] Souza Filho EM, Fernandes FA, Soares CLA. Artificial Intelligence in Cardiology: Concepts, Tools and Challenges – “The Horse is the One Who Runs, You Must Be the Jockey”. Arq Bras Cardiol. 2020;114(4):718-25.
[7] FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DA USP DE RIBEIRÃO PRETO. Inteligência Artificial na Medicina. Disponível em: https://sites.ffclrp.usp.br/ceib/texto4.php. Acesso em: 23 set. 2021.
[8] PESQUISA FAPESP. Inteligência artificial a favor do coração. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/inteligencia-artificial-a-favor-do-coracao/. Acesso em: 22 set. 2021.
Marlon Woelffel é Cientista de Dados na Neomed e Mestre em Engenharia de Controle e Automação na área de Sistemas Inteligentes/Visão Computacional pelo IFES. Possui experiência como pesquisador e cientista de dados em projetos de desenvolvimento de sistemas embarcados, análise de dados para tomada de decisão, criação de modelos preditivos utilizando técnicas de machine learning e deep learning, processamento de sinais com aplicação de redes neurais e visão computacional para validação documental, reconhecimento facial e processamento de imagens médicas.
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